Fala-se muito em um "Caminho Espiritual", mas o que realmente ele significa?
Será que nós o compreendemos ou, na verdade, temos diversas ilusões sobre ele?
Podemos visualizar uma linda estrada, ornamentada de flores silvestres, muito verdejante e
limpa, conduzindo-nos a um ponto bem visível e bastante pomposo (como um castelo, por
exemplo). Este castelo está lá! No final da estrada esperando por nós! Como já
caminhamos bastante, estamos exaustos! Chegamos ao fim da estrada, cheios de
auto-satisfação! Mas, aqui, vale um questionamento: quando visualizamos este caminho, o
colocamos como fazendo parte de nosso mundo externo? Ou seja, este caminho é uma estrada
que simboliza uma vida cheia de flores e felicidade alcançada após muito sofrimento e
muitas labutas? Será uma vida sem conflitos? Sem um colega de trabalho nos invejando ou
atrapalhando nossa ascensão profissional? Será ele um casamento completamente
harmônico? Uma bela mansão? Enfim!! Trilhar este caminho, para nós, significa, a
aquisição de conforto e descanso?
Podemos também nos questionar se este caminho é aquela estrada percorrida por milhares
de peregrinos, o Caminho de Santiago de Compostela, por exemplo, o qual, após
quilômetros percorridos, o peregrino atinge sua meta totalmente transformado e em
completa felicidade!
Mas, será este o verdadeiro caminho de que nos falam as grandes obras, vivido pelos
Grandes Seres? Paramos, pelo menos alguns minutos, para pensar o quanto podemos estar
fantasiando algo que pode ser muito mais grandioso e simples, do que aquilo que temos em
nossas mentes?
Para compreendermos o que seja este "Caminho" ou "Senda", como também
é conhecido, é necessário que compreendamos a nós mesmos, porque na verdade a nossa
alma (podemos dizer nossa "consciência") é o verdadeiro caminho. Como disse
Radha Burnier, Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, "É importante
compreender não meramente como um conceito, mas como um fato, que a Senda é a própria
pessoa. A Senda é a mudança qualitativa que ocorre na consciência da pessoa e nos
veículos através dos quais a consciência funciona".
Nossa consciência, nos primórdios de sua evolução, está tão identificada com seus
veículos, ou seja, seu corpo físico, suas emoções (corpo astral) e seus pensamentos
(corpo mental inferior), que não pode expressar sua pureza e liberdade, até que estes
veículos tenham se harmonizado entre si, atingindo, assim, uma reconciliação com a
Consciência Superior ou, como podemos também dizer, com seu Eu Divino. Quando esta
reconciliação ocorre, a consciência já atingiu o ponto em que estes veículos se
tornaram seus instrumentos perfeitos; tornaram-se capazes de responder à esta
Consciência Superior.
Enquanto nossa consciência está identificada com os veículos inferiores (corpo físico,
corpos astral e mental inferior), temos todos os tipos de experiências. Podemos escolher
entre os vários pares de opostos que conhecemos, ou seja, numa determinada situação
agimos corretamente e, no momento seguinte, estamos fazendo críticas severas aos nossos
amigos ou estamos fofocando sobre algum deles. Ou, num momento somos arrastados pelos
nossos prazeres e, num outro, estamos repelindo, veementemente, algo que nos traz
desgosto. Mas, é nesta liberdade de escolha e de experienciar a vida, que as faculdades
adormecidas de nossa alma vão despertando, sempre atraídas para fora. Isto significa
dizer que nossa motivação está toda direcionada para o mundo externo e, portanto, nossa
consciência está toda focada neste mundo.
Neste ponto de nossa evolução, estamos percorrendo aquele que é chamado o "Caminho
de Ida" ou, como é conhecido no Oriente, "Pravritti Marga". Temos
consciência somente de um mundo de formas, ainda não somos considerados "seres
espiritualizados". A pessoa espiritualizada é aquela que já transcendeu este mundo
de formas, este mundo criado pela nossa mente. Na verdade, ela já não está mais tão
limitada pelo próprio egoísmo. O sentido de um "eu" e de um "meu"
já não faz parte do total de seus pensamentos, sentimentos ou ações. Segundo Helena P.
Blavatsky a "espiritualidade" é "o poder de perceber essências
espirituais sem forma e ter uma resposta cada vez mais sensível à toda a vida"
A grande massa da humanidade encontra-se neste caminho de ida e Annie Besant
(ex-Presidente da Sociedade Teosófica), o define muito bem, quando nos dá a imagem de
"uma grande montanha situada no espaço, com um caminho girando em torno dela até
atingir seu ápice". Ela diz que "quando traçamos o caminho que sobe por aquela
trilha em espiral, vemos que ele termina no topo da montanha e nos leva a um majestoso
Templo, como que feito de mármore. Ao longo deste caminho que dá voltas à montanha,
vasta massa de seres humanos vai de fato subindo, mas, subindo vagarosamente, passo por
passo" (1).
Assim, caminhamos todos nós, adquirindo experiências ao longo de nossas vidas, fazendo
nossas escolhas, cada vez mais conscientes delas. Mas, para entrarmos no caminho
propriamente dito, que é chamado pelos orientais de "Nivritti Marga" ou
o "Caminho de Retorno", é necessário uma certa compreensão da vida. É
necessário já possuirmos uma percepção razoavelmente clara, suficiente para vermos as
contradições em nossa própria vida. Uma redefinição de nosso propósito de vida, um
anseio pela transformação já tem que ter acontecido dentro de nós. Este é o caminho
do auto-esquecimento e do despertar de uma mente altruísta ou Bodhicitta (como é
conhecida no Budismo Tibetano).
Este é o ponto atingido pela alma que, subindo a montanha, utilizando imagens e palavras
de Annie Besant "levanta os olhos, afastando-se das flores, das pedrinhas e das
borboletas que estão no caminho, e aquela cintilação vindo do topo da montanha atrai o
seu olhar; olha, então, para cima, para o Templo, e, por um momento, ela o vê". A
alma, num relancear de olhos, vê o destino final que a aguarda, e decide por pegar um
atalho que a leve ao topo da montanha, percorrendo, então, em poucas vidas, o que a
maioria da humanidade faz em inúmeras vidas.
O que podemos perceber, aqui, é que a alma, quando está afastando-se das flores e das
borboletas, está, na verdade, exercitando o desapego e quando, num olhar, vislumbra o
maravilhoso brilho vindo do topo da montanha, está desenvolvendo viveka ou
discernimento. E é importante sabermos que somente após termos atingido um certo grau de
desapego ao mundo externo, por termos compreendido, pelo desenvolvimento do discernimento,
a nossa real meta, é que iniciaremos o Caminho de Retorno, é que empreenderemos a volta
ao nosso verdadeiro lar.
Neste ponto, a consciência anseia por integrar todos os aspectos da personalidade e, para
isto, escolhe conscientemente manter-se em equilíbrio entre os pares de opostos. Já
possui o discernimento necessário para se posicionar em uma das pontas destes pares, por
ter vivenciado, pesado e compreendido que a outra ponta já não lhe serve mais.
Gostaria, de fazer uma diferenciação que acredito ser de fundamental importância para a
compreensão do Caminho de Ida e do Caminho de Retorno. Levamos vidas e mais vidas
buscando prazeres no mundo externo, como já foi dito anteriormente. Culpamos o tempo todo
nossos pais, vizinhos ou amigos pelas nossas dores, conscientes, sempre, dos erros e
acertos alheios, nunca conscientes dos nossos próprios erros. Acreditamos que a
felicidade pode ser encontrada no mundo de sensações ou de consumo desenfreado, etc.
Todo o foco de nossa consciência está voltado para fora, e é aí que acreditamos
residir a Vida.
Mas, após muitas vidas, vamos despertando nossa percepção interior, tornando-nos cada
vez mais capazes de "ver", mesmo que apenas por pequenos instantes, onde reside
a verdadeira Felicidade e é aí que nossa consciência inicia seu Caminho de Retorno.
Como? Vocês podem perguntar!! Buscando em nosso interior o que antes acreditávamos estar
no exterior. Buscando dentro de nós mesmos a causa de nossos sofrimentos, não mais
culpando quem quer que seja por eles. E muito menos culpando a vida e o mundo pelos nossos
dissabores. É este o ponto em que Arjuna se encontra no 1o. capítulo do Baghavat Gita.
Ele percebe e sabe que seus inimigos não estão fora, mas sim, dentro dele mesmo.
I. K. Taimini no livro A Ciência do Yoga, fala que existem duas espécies de
consciências: pratyak que é a consciência voltada para o interior, e parãnga,
que é a consciência voltada para o exterior. Ele diz que se "estudarmos a mente do
indivíduo comum, verificaremos ser inteiramente voltada para o exterior. Ela está imersa
no mundo exterior e ocupada todo o tempo, com o desfile de imagens que passam
continuamente no seu campo". Continuando, ele diz: "Todo o objetivo do Yoga
consiste em retirar a consciência de fora para dentro, pois o supremo mistério da vida
está oculto no próprio caminho ou centro de nosso ser, e somente aí e em nenhum outro
lugar Ele pode ser encontrado" (2).
Portanto, podemos compreender que o que foi dito no começo deste artigo tem um enorme
sentido, o Caminho deve ser entendido como sendo este movimento da consciência de
mergulhar ou focar, cada vez mais, em seu interior. Entrando em contato com seus
princípios mais elevados, torna-se, assim, possível a estes princípios exercer uma
influência crescente na personalidade, até que, em êxtase ou "samadhi", ela
venha a unir-se à eles.
Clara Codd diz em seu livro As Escolas de Mistérios, que "a procura é
interior, o caminho é longo, mas se empreendido com fidelidade, levará a uma altura, por
muitas e muitas vidas" (3). Continuando, ela diz
"Procurar é sempre encontrar. Nenhum homem pode dar um passo na direção da
divindade dentro de si mesmo, sem que o Eu Divino dê passos em sua direção. Ele é
encontrado pelo amor e pela devoção altruística, nunca pela avidez pessoal do desejo de
estatura pessoal".
Neste ponto, podemos dizer que já compreendemos os dois caminhos e já nos encontramos no
portal do Templo da Sabedoria Divina. Já não somos cegos guiados por outros cegos, já
possuímos uma lucidez cada vez mais presente. Então, nos perguntamos: podemos agora,
descansar em paz, entre deuses e anjos??? A resposta é não!!! Antes de entrarmos na
Senda, é necessário um período denominado de "probatório", onde somos
considerados "aspirantes" à senda do discipulado, seguido do período
que nos tornamos "discípulo aceito" e somente após este período é que
tornaremos um "Iniciado", ou aquele que entrou, definitivamente, na
corrente.
O período probatório é entendido como sendo aquele em que o peregrino se encontra já
na entrada da porta do Templo, ansiando por entrar e a este aspirante são exigidas
algumas condições preliminares, ou seja, que ele já tenha desenvolvido em si algumas
qualidades. Mas, não é só necessário o desenvolvimento de determinadas qualidades, é
importante, também, que elas tenham sido testadas, com êxito, por algum dos Mestres de
Sabedoria.
Nas Cartas dos Mahatmas podemos encontrar a seguinte passagem: "A porta está sempre
aberta para o homem reto que bate. E nós invariavelmente damos as boas-vindas ao
recém-chegado; apenas que, ao invés de irmos até ele, ele é que tem de vir a
nós." Quando o Mestre diz que temos que ir até Eles, significa que já devemos ter
galgado os degraus de uma escada que Helena P. Blavatsky denominou de "Escada de
Ouro" e que é composta de treze degraus. A Escada de Ouro é uma das orientações
que H.P.B. deixou para quem quer trilhar este Caminho, através de uma vida nobre e de
servir à humanidade:
Esta escada se compõe da seguinte forma:
"Vida limpa, mente aberta, coração puro, intelecto ardente, clara percepção
espiritual, afeto fraternal para com todos os seres, presteza para dar e receber conselho
e instrução, leal senso de dever para com o instrutor, pronta obediência aos preceitos
da Verdade, corajoso suportar das injustiças pessoais, destemida declaração de
princípios, valente defesa daqueles que são injustamente atacados e mira constante no
ideal de progresso e perfeição humanos que a ciência secreta revela - eis a escada de
ouro por cujos degraus pode o aspirante galgar até o Templo da Sabedoria Divina."
Darei uma explicação, bastante sucinta, sobre os cinco primeiros degraus. Com relação
aos oito degraus restantes apenas direi que eles têm a ver com nossos relacionamentos,
com o modo que nos conduzimos na vida e o treinamento que recebemos ao longo desta escada.
- vida limpa: significa uma pureza tanto externa (nosso corpo físico, ambiente em que vivemos, etc.) quanto interna; é necessário, neste estágio, termos desenvolvido um código interno de conduta e, principalmente, termos o firme propósito de aplicá-lo em nossas vidas; é necessário possuirmos pensamentos e emoções cada vez mais puros, de forma que o nosso próprio magnetismo vá se modificando e vibremos em níveis cada vez mais sutis.
- mente aberta: pode ser compreendida como sendo uma qualidade a ser atingida pela nossa mente após termos superados nossos próprios preconceitos e condicionamentos e, como conseqüência desta superação, adquirirmos uma mente receptiva a tudo que é "novo", sem rejeição ou aceitação cega, mas com discernimento, fazendo uma reflexão sincera, ponderada sobre tudo que a vida nos apresenta; neste estágio, é necessário uma mente que questione o tempo todo.
- Coração puro: aqui é necessário estarmos determinados a praticar somente o bem, mesmo que isto represente sacrificarmos algo importante para nós e, é claro, termos o firme propósito de cessarmos de fazer o mal. Possuímos uma bondade latente dentro de nós e, neste ponto, é preciso que tenhamos, pelo menos em certa medida, entrado em contato com ela. Não basta sermos apenas "bonzinhos", é preciso uma bondade genuína.
- Intelecto ardente: é o 4º degrau e significa o entusiasmo e a fé que vamos adquirindo após irmos galgando os degraus anteriores e que nos permite o desenvolvimento de uma urgência na busca do conhecimento. Damos, neste degrau, ênfase ao conhecimento e sabemos que somente ele nos permitirá atingir com segurança a Auto-Realização.
- Clara percepção espiritual, esta qualidade surge após termos transcendido os níveis mais grosseiros de nossa mente, através de uma purificação profunda de nossas emoções e pensamentos mais inferiores. Nosso interior, está cada vez mais iluminado, permitindo-nos conhecer nossos propósitos mais elevados, nossas aspirações mais sublimes; vemos muito claramente, neste ponto, que estamos realmente realizando o caminho de retorno e sabemos exatamente o que precisamos para que esta realização aconteça. Cabe dizer que a consciência já não está caminhando na escuridão total e cheia de limitações, muito de compreensão e discernimento já foi alcançado.
Podemos passar um dia todo ou uma vida toda analisando cada um destes degraus e, cada vez
mais, descobriremos que muito pouco sabemos sobre eles, porque, na verdade, cada um nos
abre diferentes níveis de compreensão e percepção, até que nada de nossa verdadeira
natureza ou do Universo nos seja desconhecido .
Somente após o aspirante ter desenvolvido, em um certo grau, estas qualidades é que ele
poderá ser considerado um discípulo aceito, ou seja, aquele que está pronto para
aprender os mistérios maiores da vida. Depois de um determinado período é que este
discípulo estará preparado para atingir a primeira das grandes iniciações e tornar-se
aquele que definitivamente "entrou na corrente".
Percebemos com muita clareza que para trilharmos, com segurança, este caminho faz-se
necessário que estejamos em contato com um instrutor espiritual, que vai ensinando nossa
alma a controlar e utilizar com maestria seus veículos inferiores. "Quando o
discípulo está pronto o Mestre aparece", já foi dito certa vez. O "estar
pronto" significa já termos adquirido "uma clara percepção espiritual",
para distinguirmos o verdadeiro Mestre, nos planos mais internos de nosso ser. Portanto, o
treinamento é dado nos planos internos e é somente no despertar gradual de nossa
percepção espiritual que traremos, ao nosso cérebro físico, a lembrança deste
treinamento. Assim, a cada lição aprendida, a vida nos apresenta uma situação ou fato
que irá nos dar a medida exata do nosso aprendizado interno. Se falharmos, temos que
repetir a lição, senão, estaremos prontos para receber os próximos ensinamentos.
Gostaria de frisar, para encerrar, que, em primeiro lugar, aprendemos internamente e
somente depois é que este aprendizado se concretiza externamente. Somente após nos
desapegarmos internamente de nossas ambições pessoais e termos vivido, internamente, a
alegria que o servir nos proporciona, é que teremos condições de prestar auxílio a
alguma pessoa sem nenhuma expectativa de recompensa. Percorrer os quilômetros que
perfazem o caminho de Santiago de Compostela somente terá valor, para nós, se o
propósito que nos motiva percorrê-lo, já tiver se realizado em nosso mundo interno ou
se estivermos sinceramente querendo dizer ao nosso Eu Superior que estamos prontos
internamente, para realizar o caminho que nos leva a Ele, sendo, neste caso, o trilhar o
caminho de Santiago somente a linguagem encontrada por nossa consciência para comunicar
tal decisão ao nosso Mestre interno.
Valéria Marques
de Oliveira
Bibliografia utilizada
- Annie Besant, Do Recinto Externo ao
Santuário Interno, Ed. Pensamento, 10ª Ed., 1995
- I.K. Taimini, A Ciência do Yoga, Ed. Teosófica,
1ª Ed., 1996
- Clara Codd, As Escolas de Mistérios, Ed.
Teosófica, 1ª Ed., 1998
- Radha Burnier, Estágios na Senda, Revista Theosophia, out/nov/dez/97
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