O Roda Viva entrevista o físico nuclear
indiano AMIT GOSWAMI. Considerado um importante cientista da atualidade
ele tem instigado os meios acadêmicos com sua busca de uma ponte entre
a ciência e a espiritualidade. Amit Goswami vive nos Estados Unidos. É PHD
em física quântica e professor titular de
física da
Universidade de Oregon. Há mais de quinze anos está envolvido
em estudos que buscam construir o ponto de união entre a física
quântica e a espiritualidade. Já foi rotulado de místico,
pela comunidade científica, e acabou acalmando os críticos
através de várias publicações técnicas
a respeito de suas idéias. Em seu livro O UNIVERSO AUTOCONSCIENTE - publicado no Brasil - ele procura demonstrar que o Universo é matematicamente
inconsistente sem a existência de um conjunto superior - no caso,
DEUS. E diz que, se esses estudos se desenvolverem, logo no
início
do terceiro milênio Deus será objeto de ciência e não
mais de religião.
A bancada de entrevistadores foi formada
por Mário Sérgio
Cortella, filósofo e dir.em educação, prof. do Depto.
Teologia e ciências religião da Puc SP; Cláudio Renato
Weber Abramo, jornalista e mestre em filosofia da ciência; Pierre Weil,
educador e reitor da Universidade Holísitica Internacional de Brasília;
Rose Marie Muraro, escritora e editora; Leonor Lia Beatriz Diskin Pawlowicz,
jornalista e Pres.da Assoc. Palas Athena; Joel Sales Giglio, psiquiatra, ex
chefe do Depto.de Psic. Médica e psquiatria da Unicamp, analista junguiano
da Assoc. Junguiana do Brasil e membro da International Assossiation for Analitical
Psychology; Carlos Ziller Camenietzki, físico, dr. em filosofia e pesquisador
do Museu de Astronomia do Min. da Ciência e Tecnologia.
Heródoto Barbeiro: Dr. Amit Goswami, Boa Noite. Inicialmente eu
gostaria que o senhor dissesse aos telespectadores da TV Cultura, que ao
longo do século XX os cientistas estiveram ligados muito mais ao materialismo
do que à religiosidade. A impressão que eu tenho é que
nessa virada para o século XXI, essas coisas estão mudando.
O senhor poderia nos explicar o porque dessa aproximação entre
a ciência e a espiritualidade?
Amit Goswami: Com prazer. Esta mudança da ciência, de uma visão
materialista para uma visão espiritualista, foi quase totalmente devida
ao advento da Física Quântica. Ao mesmo tempo, houve algumas
mudanças em Psicologia transpessoal, em Biologia evolucionista, e
em medicina. Mas acho que é correto dizer que a revolução
que a Física Quântica causou na Física, na virada do
século, seria baseada nessas transições contínuas,
não apenas movimento contínuo, mas também descontínuo.
Não localidade. Não apenas transferência local de informações,
mas transferência não-local de informações. E,
finalmente, o conceito de causalidade descendente. É um conceito interessante,
pois os físicos sempre acreditaram que a causalidade subia a partir
da base: partículas elementares, átomos, para moléculas,
para células, para cérebro. E o cérebro é tudo.
O cérebro nos dá consciência, inteligência, todas
essas coisas. Mas descobrimos, na Física Quântica que a consciência é necessária,
o observador é necessário. É o observador que converte
as ondas de possibilidades, os objetos quânticos, em eventos e objetos
reais. Essa idéia de que a consciência é um produto do
cérebro nos cria paradoxos. Em vez disso, cresceu a idéia de
que é a consciência que também é causal. Assim,
cresceu a idéia da causalidade descendente. Eu diria que a revolução
que a Física Quântica trouxe, com três conceitos revolucionários,
movimento descontínuo, interconectividade não-localizada e,
finalmente, somando-se ao conceito de causalidade ascendente da ciência
newtoniana normal, o conceito de causalidade descendente, a consciência
escolhendo entre as possibilidades, o evento real. Esses são os três
conceitos revolucionários. Então, se houver causalidade descendente,
se pudermos identificar essa causalidade descendente como algo que está acima
da visão materialista do mundo, então Deus tem um ponto de
entrada. Agora sabemos como Deus, se quiser, a consciência, interage
com o mundo: através da escolha das possibilidades quânticas.
Rose Marie Muraro: O que mais me espanta na Física é o problema
da medição quântica de Heisemberg, que voce, realmente,
acha que deve ter um observador olhando e que modifica a realidade, por exemplo,
transforma a onda em partícula. Eu gostaria de saber... isso aí houve
uma grande briga de Einstein com Niels Bohr. Eu gostaria de saber, em escala
cósmica, onde não há observadores, se há um observador
supremo, na sua opinião, e se ele cria matéria ou como se faz
esse fenômeno?
Amit Goswami: Essa é a questão fundamental, Rose Marie, porque..
qual é o papel do observador? É a pergunta que abre a integração
entre Física e espiritualidade. Na Física Quântica, por
sete décadas, tentou-se negar o observador. De alguma forma, achava-se
que a Física deveria ser objetiva. Se dessem um papel ao observador,
a Física não seria mais objetiva. A famosa disputa entre Böhr
e Einstein, a que se refere essa disputa, basicamente, sempre terminava com
Bohr ganhando a discussão, mostrando que não há fenômeno
no mundo a menos que ele seja registrado. Bohr não usou a consciência..
mas atualmente, vem crescendo o consenso, muito lentamente, de que a Física
Quântica não está completa, a menos que concordemos que
nenhum fenômeno é um fenômeno, a menos que seja registrado
por um observador, na consciência de um observador. E isso se tornou
a base da nova ciência. É a ciência que, aos poucos, mas
com certeza, vem integrando os conceitos científicos e espirituais
.
Cláudio Abramo: Em sua fala inicial, o senhor mencionou, deu como
fato, que teria crescido a idéia de que haveria uma causalidade no
sentido inverso àqueles do tradicional que se considera, e daí saltou
para a afirmação de que isso abriria a porta para a entrada
de Deus. A minha pergunta se divide em duas. Em primeiro lugar, essa idéia
cresceu aonde? Quem, além do senhor, defende esse tipo de visão
de mundo? E... dois, o porque Deus entrou aí nessa equação?
Amit Goswami: Na Física Quântica há um movimento contínuo.
A Física Quântica prevê isso. Não há dúvida
que a Matemática Quântica é muito capaz, muito competente,
e ela prevê o desenvolvimento de ondas de possibilidades, a matéria é retratada
como ondas de possibilidades. O modo como elas se espalham é totalmente
previsto pela Física Quântica. Mas agora temos probabilidades
de possibilidades. Nenhum evento real é previsto pela Física
Quântica. Para conectar a Física Quântica a observações
reais, embora não vejamos possibilidades e probabilidades, na verdade
vemos realidades. Esse é o problema das medições quânticas.
E luta-se com esse problema há décadas, como eu já disse,
mas nenhuma solução materialista, uma solução
mantida dentro da primazia da matéria foi bem sucedida. Por outro
lado, se considerarmos que é a consciência que escolhe entre
as possibilidades, teremos uma resposta, mas a resposta não é matemática.
Teremos de sair da matemática. Não existe Matemática
Quântica para este evento de mudança de possibilidades em eventos
reais, que os físicos chamam de ‘colapso da onda de possibilidade
em realidade’. É essa descontinuidade do colapso que nos obriga
a buscar uma resposta fora da Física. O que é interessante é que
se postularmos que a consciência, o observador, causa o colapso da
onda de possibilidades, escolhendo a realidade que está ocorrendo,
podemos fazer a pergunta: qual é a natureza da consciência?
E encontraremos uma resposta surpreendente. Essa consciência que escolhe
e causa o colapso da onda de possibilidades não é a consciência
individual do observador. Em vez disso, é uma consciência cósmica.
O observador não causa o colapso em um estado de consciência
normal, mas em um estado de consciência anormal, no qual ele é parte
da consciência cósmica. Isso é muito interessante. O
que é a consciência cósmica diante do conceito de Deus,
do qual os místicos e teólogos falam?
Mário Cortella: Uma questão para o doutor Amit que é a
seguinte: o senhor é originado de uma cultura, que é a cultura
da Índia, onde o hinduísmo, como religião, tem uma profusão
de deuses ou de divindades, ou de deidades. Alguns chegam a falar em 300
milhões de deidades dentro da religião hindu. De outro lado,
seu pai foi um guru brâmane, o senhor tem um irmão que é filósofo.
Esta mescla de situações induziu no senhor uma compreensão
em relação a um ponto de chegada, na religião, partindo
da Física, ou o senhor já partiu da religião e, por
isso, chegou até a Física e supõe que a Física
Quântica é uma das formas de praticar teologia?
Amit Goswami: Obrigado pela pergunta, porque
costumam me perguntar se minha formação como indiano hindu afeta o modo como pratico a Física.
Na verdade, fui materialista por um bom tempo. Fui físico materialista
dos 14 anos de idade até cerca de 45 anos. O materialismo foi importante
para mim. Eu trabalhei com ele, filosofei nele, cresci nele. Eu obtive sucesso
em Física dentro da Física materialista. Mas quando comecei
a trabalhar no problema da medição quântica, eu realmente
tentei resolvê-lo dentro do materialismo. Enquanto todos nós
trabalhávamos, falei com muitos físicos que trabalhavam no
problema (este é o problema mais estudado da Física, um dos
mais estudados). E todos tentávamos resolver este paradoxo: se a consciência é um
fenômeno cerebral, obedece à Física Quântica, como
a observação consciente de um evento pode causar o colapso
da onda de possibilidades levando ao evento real que estamos vendo? A consciência
em si é uma possibilidade. Possibilidade não pode causar um
colapso na possibilidade. Assim, eu tive de abandonar esse pensamento materialista.
Embora fosse interessante, em minha vida pessoal eu sentia necessidade de
mudar. Alguns consideraram uma transição de meia-idade, e os
dois problemas, crescimento na vida pessoal e o problema da medição
quântica, se confundiram, e eu comecei a ver a consciência não
apenas como um problema físico, mas também como um problema
pessoal. O que é que deixa alguém feliz? Qual é a natureza
da consciência, da qual as pessoas falam quando se pensa além
do materialismo? Então, comecei a meditar e a me aproximar de alguns
místicos, e isso ajudou. E um dia, quando falava com um místico,
e ele me dava a tradicional visão mística do mundo, que eu
já ouvira muitas vezes antes, mas, de algum modo, essa conversa causou
uma nova impressão em mim. Eu pude ver, eu realmente vi além
do pensamento, tive a percepção de que a consciência é a
base do ser, e essa percepção soluciona o problema da medição
quântica. Não só isso: pode ser usada como base para
a ciência. Normalmente, os cientistas presumem que a ciência
deve ser objetiva, etc, mas eu vi, naquele momento, que a ciência deve
ser objetiva até um certo ponto. Eu chamo de objetividade fraca, mas
isso pode ser alcançado nessa nova Metafísica. Consciência é a
base de todos os seres. Então, para mim, foi o contrário, eu
fui da Física para a espiritualidade, sob o aspecto da Física.
Porque minha formação espiritual, embora em retrospecto, eu
possa dizer que foi saudável, deve ter sido, como Freud diria, no
subconsciente. Mas conscientemente foi o oposto. Eu vim de uma questão
muito inquietante, de como resolver um problema físico, um problema
do mundo, pois esse é o problema mais importante do século
XX. E a partir disso, esse salto conceitual, esse salto quântico perceptivo
me fez reconhecer que o modo como espiritualistas vêem a consciência é o
modo certo de ver a consciência. E esse modo de ver a consciência
resolve o problema da medição quântica. Ele nos dá a
base para uma nova ciência.
Carlos
Ziller: Eu gostaria de fazer uma pergunta, dando um passo mais atrás
no sentido da própria Física clássica. Porque nós
sabemos, hoje em dia, que os fundadores da Física clássica,
Newton, Déscartes e outros grandes cientistas do século XVII,
para eles, para os projetos científicos que propunham, Deus era uma
parte constitutiva inseparável do mundo que eles imaginavam, seja
como sendo quem garantia a eficácia, eficiência, o funcionamento
das leis do mundo, seja como alguém que operava os próprios
fenômenos naturais. Bom, isso foi sendo afastado, expulso do mundo
da ciência ao longo do século XVIII, século XIX, ou século
XX, talvez, até os anos 50 tenha sido o ápice dessa questão,
os cientistas, os físicos, sobretudo, não gostavam totalmente
nada de falar sobre esse assunto. Deus era um problema. Talvez o seu estudo
e a sua reflexão esteja tentando recolocar no seu próprio lugar,
pelo menos foi assim que eu interpretei, algumas idéias do próprio
século XVII, dos fundadores da ciência moderna. Eu gostaria
de saber se essa aproximação do Deus do Newton, o que garantia
que as leis naturais funcionavam, se esse Deus tem algum paralelo com a consciência,
supra-consciência que o senhor propõe como sendo o princípio
a partir do qual os fenômenos do mundo, a realidade estaria constituída?
Amit Goswami: É uma pergunta muito boa. Os conceitos da Física
clássica, no início, não separavam Deus, como disse,
mas então, aos poucos, descobriu-se que Deus não era necessário.
Depois que Deus estabeleceu o movimento do mundo, ele passou a ser guardião
de seu jardim, e isso é o que a maioria dos físicos clássicos
pode fazer. Mas na Física Quântica, há o problema da
medição. Como as possibilidades tornam-se eventos reais, temos
espaço para uma consciência, e ela deve ser uma consciência
cósmica. Há uma semelhança com o modo como Deus é retratado,
pelo menos na subespiritualidade tradicional, não na mente popular.
A mente popular considera Deus um imperador, um super-humano sentado no céu.
Essa imagem de Deus não é científica, e espero que esteja
claro que não estamos falando em Deus dessa forma, mas Deus nessa
consciência mais cósmica, nessa forma mais estrutural. Esse
tipo de Deus está retornando porque, se voce se recorda, o debate
entre teólogos e cientistas sempre foi: Deus é o guardião
ou Deus intervém? Teólogos afirmam que Deus intervém
nos seres biológicos. E então surgiu Darwin. Foi um grande
golpe nos teólogos, porque antes, apesar de Newton, os teólogos
podiam citar o exemplo da Biologia, cujo propósito é muito óbvio,
pelo menos, óbvio para a maioria. Mas a teoria de Darwin foi um golpe
porque se dizia que a evolução ocorria... mas ela era natural?
Darwin disse que ela era natural. Oportunidade e necessidade. Não
há necessidade de Deus na evolução e não há necessidade
de Deus na biologia. Então, no século XX, surgiu o behaviorismo
e a idéia de que temos livre-arbítrio subjetivo. Essa idéia
também foi superada, porque experimentos mostraram que somos muito
condicionados, não há livre-arbítrio. Contra tudo isso,
vejam só, a Física Quântica também cresceu ao
mesmo tempo que o behaviorismo, e a Física Quântica tem uma
coisa peculiar: o princípio da incerteza. O mundo não está determinado
como imaginamos. Deus não é o guardião. O princípio
da incerteza levou à onda de possibilidades, depois o colapso da onda
de possibilidades para a introdução da idéia do colapso
da consciência. Paradoxalmente, fomos criados contra essa idéia,
mas nos anos 90, eu, Henry Stab, Fred Allan Wolf, Nick Herbert, todos mostramos
que esse paradoxo pode ser resolvido. Não há paradoxo se presumirmos
que a consciência que causa o colapso da onda de possibilidades em
eventos reais é uma consciência cósmica. E o evento do
colapso em si nos dá a separação matéria-objeto
do mundo. Assim, não só resolvemos o problema da medição
quântica como também demos uma nova resposta de como a consciência
de um torna-se várias. Como ela se divide em matérias e objetos,
para poder ver a si mesma. E essa idéia de que o mundo é um
jogo da consciência, um jogo de Deus, que é uma idéia
muito mística, voltou à tona. Então, podemos voltar à biologia.
Deus intervém na biologia? Deus intervém na vida das pessoas?
Essas perguntas continuam tendo respostas muito positivas. Vi, em um jornal
sobre Biologia evolucionista, que há muitos furos conhecidos na teoria
darwiniana. Esses furos são chamados sinais de pontuação.
A teoria da evolução de Darwin explica alguns estágios
homeostáticos da evolução, ou seja, como as espécies
adaptam-se a mudanças ambientais. Mas não explica como uma
espécie torna-se outra. Essa especiação, mudança
de uma espécie em outra, é uma nova mudança na evolução,
não está na teoria de Darwin. Experimentalmente, isso é demonstrado
em lacunas de fósseis. Não temos uma continuidade de fósseis
mostrando como um réptil tornou-se um pássaro. A idéia é que
sejam sinais de pontuação, estágios muito rápidos
de evolução. Eu sugiro que isto seja um salto quântico,
um salto quântico na evolução. Nesse salto quântico,
a consciência interveio, não de um modo subjetivo, de um modo
caprichoso, mas de um modo muito objetivo.. muito objetivo, e essas idéias
objetivas ficam claras com o trabalho de Rupert Sheldrake e outros, o modo
como isso pode ser objetivo. Mas, sem dúvida alguma, há uma
intervenção da causalidade descendente. Não se pode
explicar a Biologia evolucionista só com a causalidade ascendente.
Essa é a coisa mais interessante, a partir do pensamento original
dos físicos de que Deus deve ser o guardião, pois tudo pode
ser explicado e tudo é determinado, que não precisamos de Deus.
Agora, estamos fechando o círculo, e vemos que não só precisamos
de Deus: há movimentos descontínuos no mundo para os quais
não existe explicação matemática ou lógica.
Ainda assim, é totalmente objetivo, não é arbitrário.
Deus age de forma objetiva, bem definida. A consciência cósmica
não é subjetiva, não é a consciência individual
que afeta o mundo. Isso ocorre de forma cósmica, podemos discutir
objetivamente. A ciência detém seu poder, sua objetividade e,
ainda assim, temos agora a descontinuidade, temos a interconectividade e
podemos falar sobre vários assuntos dos quais os místicos tradicionalmente
falam.
Pierre
Weil: Durante essa
discussão eu me coloquei como educador
do ponto de vista do telespectador, e estou um pouco com medo de que alguns
já desligaram o aparelho diante do alto nível científico
do debate, que é necessário e indispensável. Eu queria
ressaltar a importância da sua presença aqui em termos mais
simples. Para o telespectador... tem telespectadores que acreditam em Deus,
acreditam em espiritualidade e tem outros que não acreditam em Deus,
não acreditam... são os materialistas versus os espiritualistas.
Entre os dois têm os que não sabem ou os que nem se interessem
para isto. Nestas três categorias, a sua presença aqui tem uma
importância muito grande. Ela tem uma importância porque nesse
século que passou, nós estivemos assistindo a três grandes
movimentos: o primeiro movimento, em que muitos espiritualistas, muitas pessoas
que acreditavam em Deus, abalados pelas “provas”, pelas evidências
da ciência, largaram a religião e só acreditaram na matéria.
E nisso foram até muitos sacerdotes de várias religiões.
Largaram a batina, largaram a sua fé e se transformaram em protagonistas
do materialismo. Estamos assistindo, atualmente, a um movimento contrário.
Eu tenho, por exemplo, dois amigos meus. Um, Matew, grande biólogo
francês, largou a biologia e hoje ele é monge budista tibetano.
O outro era astrofísico, colega seu, largou a astrofísica e
hoje ele é rabino. Então estamos assistindo a um movimento
contrário. A sua presença aqui apresenta uma terceira saída,
e que me parece a mais conveniente e a mais razoável, a mais holística,
que é a minha também. A sua, como Física Quântica,
fez com que, vindo do materialismo, não caísse no extremo do
espiritualismo, mas integrou os dois. Eu fiz isso também como psicólogo,
através da psicologia transpessoal... o senhor através da Física
Quântica, eu, através da Psicologia Transpessoal... e nos encontramos
muito bem e nos abraçamos o tempo todo. A minha pergunta é uma
pergunta pessoal: poderia contar para os telespectadores, em termos mais
simples, o que fez com que Amit Goswami ficasse no meio do caminho e fizesse
um encontro dentro dele, da razão da Física, da razão
materialista, e do outro lado, da Intuição? Falou nos seus
amigos místicos, mas pela minha experiência eu sei que a segurança
pela qual eu falo, não é apenas racional, ela é baseada
numa experiência chamada interior, chamada subjetiva, chame como quiser,
de luz, e de saber mais ou menos como que é esse mundo espiritual.
Qual é a sua experiência que fez com que unisse, na sua pessoa,
o lado masculino, racional, e o lado feminino, intuitivo, sentimental? O
que aconteceu com a sua pessoa? Eu acho que isso nos vai reconciliar com
os telespectadores.
Amit Goswami: Sim, obrigado. Esta é a questão fundamental. Às
vezes, eu digo que todos nós, todas as pessoas, espectadores, cientistas,
o orador, todos aqui, todos nós temos dois lados. Um é semelhante
a Newton, que quer entender tudo em termos de objetividades, ciências
e matemática, e o outro é William Blake, que é místico
e ouve diretamente, intuitivamente, e desenvolve seu retrato do mundo baseado
nessa percepção intuitiva. O que ocorre nessa integração,
o que ocorreu por um tempo, mesmo antes de essa integração
começar, é que começamos a entender a natureza da criatividade.
E a falsa idéia de que cientistas só trabalham com idéias
racionais e matemáticas, está, aos poucos, caindo. Einstein
disse isso muito claramente: “Não descobri a Teoria da Relatividade
apenas com o pensamento racional”. As pessoas não levam a sério
tais declarações. Mas Einstein falou sério. Ele sabia
que a criatividade era importante. Agora, quase cem anos de pesquisas sobre
criatividade estão mostrando que os cientistas também dependem
da intuição. Eles também dependem de visões criativas
para desenvolver sua ciência. Nem tudo é racional, matemático;
nem tudo é pensamento racional. Voce perguntou sobre minha experiência
pessoal. Eu já compartilhei a experiência fundamental pessoal
que tive quando troquei... nem devo dizer que troquei, eu tive uma percepção.
Não posso descrevê-la em termos de espaço-tempo. Eu estava
fora do espaço-tempo, experimentando diretamente a consciência
como a base do ser. É esse tipo de experiência que dá a
base para ficarmos convencidos, para termos certeza de que a realidade é algo
mais do que o espaço-tempo no mundo em movimento faz parecer. Este é o
escopo fundamental para o ponto de encontro dos cientistas e espiritualistas.
Porque os espiritualistas ouviram esse chamado, essa intuição,
muito antes. Os cientistas também a ouviram. Mas por eles sempre expressarem
suas percepções em termos de lógica, em termos de razão,
isso ocorre mais tarde. Eles esquecem a origem de seu trabalho, a origem
de sua percepção. Já para os espiritualistas, a percepção
leva à transformação do modo de vida. Assim, eles nunca
esquecem que foi a intuição que trouxe a felicidade, foi ela
que os fez quem são. Essa é a diferença. Cientistas
usam a intuição para desenvolver sistemas que estão
fora deles, o que chamo de criatividade externa. E isso torna-se uma camuflagem
dos verdadeiros mecanismos do mundo para eles. Enquanto espiritualistas mantêm-se
com a percepção, mudam suas vidas, e incidentalmente, mudam
o mundo externo. Mas eles sabem que aquela percepção que tiveram é a
coisa fundamental que gere o mundo. Para eles, a consciência é cósmica,
isto é algo determinado. Para os cientistas, a mesma descoberta é possível,
mas eles ignoram o chamado e prestam mais atenção ao que ocorre
no cenário externo. Acho que, se todos nós compartilharmos
isso, o mundo poderá mudar. Agradeço pela pergunta. Estou disposto
a compartilhar: escrevi um livro sobre criatividade, no qual conto minhas
histórias pessoais. Em todos os meus livros conto minhas histórias
pessoais. É importante compartilharmos nossas histórias pessoais,
e acabar com o mito de que os cientistas são apenas pensadores racionais.
Eles também têm percepções que vão muito
além do pensamento racional.
Heródoto Barbeiro: Doutor Goswami, o senhor falou muito em Deus
durante a primeira parte deste programa, e aqui no ocidente, quando se fala
em Deus, se imagina que exista o seu contraponto. E aqui no ocidente se dá uma
série de nomes a ele. Eu gostaria de saber como é que o senhor
explica essa... se o senhor concebe a existência desse contraponto,
dessas outras forças que não são necessariamente Deus.
Amit Goswami: Essa questão de Deus contra o Mal é interessante.
Segundo a visão da Física Quântica, existem as forças
da criatividade e as forças do condicionamento. Não falamos
muito sobre isso, mas eu defendo a idéia que a Física Quântica
nos dá, de que é a consciência cósmica que escolhe
entre as possibilidades para trazer à realidade o evento real que
ocorre. A questão é: então temos de entrar nesse estado
incomum de consciência, no qual somos cósmicos, no qual escolhemos
e, então... como entrar nessa consciência individual na qual
somos uma pessoa? Na qual temos personalidade e caráter? Ao trabalharmos
com a matemática disso, descobrimos que essa condição
ocorre porque todas as nossas experiências aparecem após serem
refletidas no espelho da nossa memória, muitas vezes. É essa
memória que causa o condicionamento. Uma propensão a agir do
modo como já agi antes. Uma propensão para responder a estímulos
do modo como já respondi antes. Todas as pessoas sabem disso. Elas
passam a manhã no cabeleireiro e o marido volta para casa e diz: “O
que há para o almoço?”, sem notar o novo penteado da
esposa, o que é muito irritante, tenho certeza. Mas esse condicionamento é o
que nos torna indivíduos. Então, a questão é que,
na Física Quântica, vemos claramente o papel da consciência
cósmica, que eu chamo de “ser quântico”, no qual
há criatividade, há forças criativas. E então
perdemos essa criatividade, ficamos condicionados. E o condicionamento nos
faz parecidos com máquinas. Assim, o mal maior que a nova ciência
nos traz é o condicionamento. Pois é ele que nos faz esquecer
a divindade que temos, o poder criativo que temos, a força criativa
que realmente representa o que buscamos quando invocamos Deus. Mas isso também
está incompleto. Essa questão pode ser estudada mais a fundo
e há um escopo maior, trazendo idéias como emoções
negativas e positivas. Assim, teremos uma exposição maior do
Bem contra o Mal. Mas, de fato, a consciência cósmica inclui
tudo. Esse é o conceito esotérico, não tanto exotérico,
mas esotérico, por trás de todas as religiões, de que
há apenas Deus, e que o Bem e o Mal são uma divisão,
uma necessidade da criação, mas não é fundamental,
ou seja, o diabo não é igual a Deus; o diabo é uma criação
subsequente. É útil pensarmos em termos de Bem e Mal mas, às
vezes, é preciso transcender isso, é preciso perceber que Deus é tudo.
Esse é o cenário que a Física Quântica defende.
Joel
Giglio: Doutor Amit, eu sou psiquiatra, analista Junguiano, formado pela
Associação Junguiana do Brasil, e tenho muitas perguntas
a fazer ao senhor. Mas em vista do tempo e dos objetivos desse programa,
vou me centrar numa delas. Eu pensei muito, quando li seu livro, em questões
que ainda são incógnitas à nossa prática psicoterápica.
A questão do ‘insight’... O ‘insight’ nós
não sabemos, em psicoterapia, quando ele vai acontecer, como vai acontecer.
Ele simplesmente aparece e quase que do nada, embora a gente intua que o ‘insight’ vá aparecer.
A questão da criatividade... a questão da sincronicidade...
mas eu gostaria de fazer uma questão sobre os arquétipos. O
senhor menciona no seu livro, idéias de arquétipos de objetos
mentais. Cita Platão e cita Jung, que é o criador da psicologia
analítica, setor da psicologia onde eu me situo. A questão
que tem me perturbado muito é: os arquétipos evoluem, embora
eles estejam fora do eixo espaço-tempo? Alguns autores dizem que está havendo
uma evolução dos arquétipos. Quem fala isso, por exemplo, é Sheldrake,
que o senhor mencionou há pouco e que não é psicólogo, é biólogo,
mas que tem uma visão diferente dentro do campo da biologia. Como é que
a teoria da Física Quântica explicaria, supondo que os arquétipos
evoluem, a evolução dos próprios pensamentos arquetípicos,
por exemplo, a evolução do arquétipo de Deus, se é que
ele está evoluindo ou não. Essa questão... e muitos
outros arquétipos, nós supomos que estejam evoluindo sem anularem
os arquétipos anteriores.
Amit Goswami: Obrigado pela pergunta. Sou um
grande seguidor de Jung. Acho que Jung foi dos precursores da integração que está ocorrendo
agora. Nos meus primeiros textos, eu citava muito a afirmação
de Jung de que, um dia, a Física Nuclear e a Psicologia se unirão.
E acho que Jung ficaria satisfeito com esta conversa e, em geral, com a integração
da Física e da Psicologia transpessoal que vemos hoje. Isto posto,
acredito no conceito de arquétipo de Jung, e acho que o modo como
Jung o apresentou, e Platão o apresentou, de que são aspectos
eternos da consciência, contextos eternos da consciência... a
consciência tem um corpo contextual no qual os arquétipos são
definidos e, então, eles governam o movimento do nosso pensamento.
Acho que é um conceito muito poderoso. Mas, ao mesmo tempo, na Física
Quântica, existe a idéia de que todos os corpos de consciência,
tudo o que pertence à consciência, inconsciência, são
possibilidades. E por causa disso, por tudo ser possibilidade, surge a questão:
alguém pode ir além de arquétipos fixos e considerar
arquétipos evolucionistas? Não se pode descartar o que Rupert
tenta dizer. Houve uma idéia semelhante, de Brian Josephson, um físico
que publicou um trabalho na Physical Review Letters, revista de grande prestígio,
dizendo que as leis da Física podem estar evoluindo. Da mesma forma,
outras pessoas, cientistas muito sérios, sugeriram que, talvez, forças
gravitacionais mudem com o tempo. Essa idéia de arquétipos
fixos é uma idéia muito importante. Eu a apóio totalmente.
Mas também vejo que na Física Quântica há espaço
para a evolução dos arquétipos. Não devemos descartar
totalmente idéias que dizem que arquétipos evoluíram.
Ainda seremos capazes de determinar isso experimentalmente. Obrigado pela
pergunta.
Lia
Diskin: O senhor
manifesta certo interesse pelas questões éticas,
grande parte do final de sua obra se dedica a essa questão. O senhor
nos disse que há necessidade da participação da ambiguidade
para dar garantias de criatividade no campo ético. Entretanto, no
mesmo contexto, nos fala imediatamente das linhas e instruções éticas
numa obra monumental da tradição indiana que se chama “Bhagavad
Gitâ”. E a “Bhagavad Gitâ” se inicia pelo pressuposto
da instrução do mestre para um discípulo, de que ele
deve agir, de que ele deve entrar no combate, que ele deve assumir sua parte
de ação, porque pertence a uma casta, a uma tradição
de guerreiros, em que há ação da própria. Como
fica o livre-arbítrio, como fica a ambiguidade como necessidade da
criatividade dentro de um contexto de que existe um pressuposto, obviamente
não-ambíguo e não-escolhível, que não
pôde escolher? O que fazer... mas se está cominado a fazer,
está cominado a agir? Como será isso, Professor?
Amit Goswami: Acho que essa também é uma pergunta muito difícil,
muito sutil. Realmente, se considerarmos a ética compulsória,
não parece haver escolha. Mas a ética não é tão
definida: é muito ambígua. Lembro de uma história que
o grande filósofo Jean-Paul Sartre contava. Suponha que voce vá em
uma expedição de natação, ou melhor, de barco,
e o barco afunde. Voce está com um amigo, voce sabe nadar, mas ele
não. Mas voce não é muito forte. Se tentar salvá-lo,
os dois podem morrer. Voce tem uma boa chance de se salvar, mas ama seu amigo
e seu dever ético com ele está muito claro. O que fazer? Casos
assim mostram claramente que há ambiguidade mesmo em decisões éticas,
em decisões morais. Na Física Quântica, é muito
claro que devemos esperar, e esperar pela intuição, ver se
há um salto quântico, uma resposta criativa como voce a chama,
se uma resposta criativa irá surgir. E é essa resposta criativa
que é a resposta correta para solucionar essa ambigüidade em
questões éticas. Quando a moralidade ou a ética são
apresentadas como um conjunto de regras, e as pessoas seguem essas regras,
elas perdem essa parte ambígua e, por causa disso, as regras perdem
o sentido. Passa a ser um conjunto de regras inútil, sem vida. Mas,
se considerarmos a ética com vida, e reconhecermos que temos um papel
a desempenhar em todas as situações éticas, temos um
papel a desempenhar em termos de irmos para dentro de nós, como as
pessoas criativas fazem, combatendo isso, combatendo a ambiguidade. Então,
o salto quântico da percepção virá e vai-nos permitir
tomar a ação correta. É nisso que a Física Quântica
está nos ajudando, é nessa conclusão que ela está nos
ajudando. E acho que Sartre também buscava essa resposta porque a ética
fixa é uma coisa impossível de se seguir.
Cláudio Abramo: Eu vou, infelizmente, ter que me estender ligeiramente
na minha pergunta. Ela é precedida de uma declaração...
Vou fazer uma interpretação do que foi declarado até agora,
que eu acho que deve ser útil para os telespectadores. Não
estou fazendo isso para me expor, mas para esclarecer o que me parece ser
algumas questões importantes nesse debate para o telespectador. O
entrevistado faz menção a fenômenos inexplicados, a fenômenos
desviantes, entre diversas disciplinas. Começa com a Física,
passa pela Biologia, faz referência a problemas seculares com respeito à consciência
humana, ao livre-arbítrio, ao modo como raciocinamos, ao modo como
chegamos a conclusões, menciona casos como, por exemplo, Einstein
declarando, como tantos outros cientistas, que não sabe muito bem
como chegou a uma conclusão. Poincaré, antes dele, havia escrito
muito sobre isso... Poincaré era uma matemático, o último
grande matemático universalista francês... ele morreu no começo
desse século (XX). Bom, esse tipo de anedota é completamente
comum na ciência. Não há nenhuma originalidade nisso.
Esse gênero de anedota, repito, fenômenos inexplicados que são
característicos da ciência... a ciência quanto mais sabe,
menos sabe... quanto mais a ciência sabe, quanto mais fenômenos
são explicados, mais avenidas de desconhecimento se abrem. Um cientista
diz “não sei” o tempo todo. Um não-cientista explica
tudo, porque sempre tem uma resposta do tipo “todo abrangente” como é esta
resposta. O fato de se ter isso, para os telespectadores entenderem, o fato
de se formular uma pseudo-explicação a respeito de como o universo
funciona não dá a essa explicação, foros de verdade.
Simplesmente declarar coisas não confere verdade ao que se declara.
Agora, no que o senhor declara existe uma característica que eu acho
bastante preocupante, ou pelo menos intrigante, vinda de alguém conhecido
aqui como Físico, como o senhor declarou... o senhor foi.. o senhor
foi Físico. O senhor diz, em primeiro lugar, que aquilo que seria
essa intervenção de uma consciência cósmica, não é matematizável,
quer dizer, isto não é introdutível dentro da teoria
física na forma como a teoria física aceita as suas idéias.
Não existe outra maneira de introduzir na Física idéias
senão a matemática. Não existe.. não é possível,
não é Física... se é não-matematizável,
não é Física. Muito bem, então esta idéia
de consciência cósmica não é Física, quer
dizer, certamente nenhum Físico aceitará isso. Em segundo lugar,
ela também, já que se está falando de alguma coisa que
existe no mundo, que é uma consciência cósmica que se
reflete na consciência das pessoas e faz as pessoas fazerem saltos
quânticos... o senhor não vai usar esse termo, mas saltos quânticos
em direção à solução de problemas... onde é que
estão as evidências empíricas disso? Onde estão
as experiências que levam a esse tipo de conclusão? Porque ou
a gente pode ter conhecimento do mundo que seja muito estruturado, como no
caso da Física, ou conhecimento do mundo pouco estruturado. Não
existe uma teoria, não existe um conjunto de idéias muito organizado
por trás, mas sabemos empiricamente que são verdadeiras, ou
parecem verdadeiras. Onde é que estão as evidências empíricas
e onde está o raciocínio, eu diria, desculpe a palavra, científico,
que o leva a declarar que existiria uma consciência cósmica
que estaria governando tudo e resolvendo todos os problemas aqui, da Biologia,
da Psicologia?... O senhor afirma que estas suas idéias explicariam
o problema da biologia evolucionista dos ‘gaps’ na criação
de espécies, por exemplo. O senhor não acha ambicioso demais
e, repito, onde é que estão as evidências empíricas
disso?
Amit Goswami: Boa pergunta. Pergunta muito boa.
Precisamos sempre fazer esta pergunta: onde está a evidência? Falarei da evidência
mais tarde. Antes, responderei à pergunta: a Física é matemática?
Ela deve ser totalmente matemática? Essa é uma crença
que cresceu gradualmente na Física, por causa do sucesso da matemática
para expressar a Física. Há duas coisas que devemos lembrar.
Primeiro: não há motivo para a Física ser matemática. Às
vezes os filósofos levantam essa questão. Nancy Cartwright
escreveu um livro: Why do laws of Physics lie. Ela estava argumentando que
não há provas dentro da filosofia materialista de que a Matemática
deve governar as leis da Física. De onde vem a Matemática?
Pessoas como Richard Feynman, grande físico, Eugene Bigner, todos
estudaram a questão. E não há resposta dentro da filosofia
materialista. Platão tem uma resposta: a matemática molda a
Física porque surgiu antes da Física, faz parte do mundo arquetípico
que discutimos. Assim, o idealismo de Platão é fundamental
para entender o papel da Matemática na Física, em primeiro
lugar. A Física em si precisa de algo além da matéria,
ou seja, da matemática e de arquétipos para ser uma ciência
consistente. É preciso se lembrar disso. O segundo aspecto da questão é o
mais importante. Na Física Quântica, procuramos insistentemente
uma forma matemática de encerrar a Mecânica Quântica.
Uma forma matemática para entender a medição quântica.
Não fomos capazes. Niels Bohr demonstrou para Erwin Schrödinger,
há muito tempo, quando a Mecânica Quântica estava sendo
desenvolvida. Schrödinger achou que tinha obtido a continuidade e Bohr
provou o contrário e o convenceu disso. E Schrödinger disse: “Se
eu soubesse que essa descontinuidade, saltos quânticos, iriam permanecer,
eu nunca teria descoberto a Mecânica Quântica”. Bohr disse: “Estamos
felizes que tenha descoberto”. Essas descontinuidades vão continuar
existindo, não há explicação matemática,
e por não haver explicação matemática, portanto,
há espaço para o livre-arbítrio. O livre-arbítrio,
Deus, consciência, colapso, tudo isso entrou para a Física porque
atingimos o conhecimento, a sabedoria, de que existe o princípio da
incerteza, existem a probabilidade e possibilidades. E por existirem probabilidade
e possibilidades, deve haver um agente que causa o colapso das possibilidades
em eventos reais. E esse agente não pode ser matemático porque,
se for, não poderá haver livre-arbítrio: seria determinista.
Mas não é determinista. O princípio da incerteza é fundamental.
Assim, nós chegamos à conclusão, após décadas
de lutas nós conseguimos...
Cláudio Abramo: Quem é “nós”?
Amit Goswami: “Nós” quer dizer que há um
consenso entre cientistas...
Cláudio Abramo: Há um consenso a respeito de suas idéias?
Amit Goswami: Não a respeito de minhas idéias. Esqueça
as minhas idéias. Mas há um consenso de que não há solução
matemática para o problema da medição quântica.
Nisso, chegamos a um consenso. E por não haver uma solução
matemática para isso, e por haver uma solução consistente
em termos de consciência causando colapso de possibilidades quânticas
em realidade, podemos falar sobre essas idéias publicamente. Quanto à segunda
pergunta: Há evidência empírica? Acontece que os dois
aspectos fundamentais da nova física, a consciência causa o
colapso da possibilidade em realidade, e o segundo, que essa consciência é uma
consciência cósmica, os dois aspectos foram confirmados por
dados empíricos. Antes, darei os dados para o segundo, porque é o
mais simples para o espectador. O primeiro é um pouco difícil.
Talvez possamos incluir os dois. O primeiro experimento é muito importante
porque já foi aplicado. Em 1993 e 1994, o neurofisiologista mexicano
Jacobo Greenberg Silberman, ele e seus colaboradores fizeram um experimento,
no qual havia dois observadores meditando por 20 minutos, com o propósito
de terem comunicação direta. Comunicação direta
no estilo de não-localidade. Sinais não-locais ocorrendo entre
eles, e ainda assim eles teriam comunicação. Certo, eles meditaram
juntos. Pediu-se que mantivessem o estado meditativo durante o resto do experimento.
Mas então, um deles é levado para outro recinto. Eles ficam
em câmaras de Faraday, onde não é possível a comunicação
eletromagnética. Os cérebros deles são monitorados.
Uma das pessoas vê uma série de ‘flashes’ brilhantes,
o cérebro dele responde com atividade elétrica, obtém-se
o potencial de resposta muito claro, picos muito claros, fases muito claras.
O cérebro da outra pessoa mostra atividade, a partir da qual obtém-se
um potencial de transferência que é muito semelhante em força
e 70% idêntico em fases ao potencial de resposta da primeira pessoa.
O mais interessante é que, se voce pegar duas outras pessoas, duas
pessoas que não meditaram juntas, ou pessoas que não tinham
a intenção de se comunicar, para elas, não há potencial
de transferência. Mas para pessoas que meditam juntas, invariavelmente,
muitas vezes, um em cada quatro casos, obtemos o fenômeno de potencial
de transferência. E Peter Fenwick, na Inglaterra, há dois anos,
confirmou isso, repetindo o experimento. Assim, temos evidência empírica.
Se tivéssemos tempo, e voce tivesse paciência, eu poderia lhe
dar inúmeros dados. Outro dado que é muito interessante: considere
o caso de geradores de números aleatórios. Eles são
realmente aparelhos quânticos, pois eles pegam eventos radiativos,
que são aleatórios, e os convertem em seqüências
de números, seqüências de zeros e uns. Em uma longa cadeia,
deve haver número igual de zeros e uns. É o que se espera da
sequência aleatória. Helmut Schmidt, um físico que pesquisa
parapsicologia, tenta há quase 20 anos, fazer com que médiuns
influenciem os geradores de números aleatórios para gerarem
sequências não-aleatórias, mais zeros que uns. E ao longo
dos anos ele conseguiu boas evidências de que, até certo ponto,
os médiuns conseguem fazer isso. Um resultado com um grande desvio.
Isso ainda não tem nada a ver com Física Quântica, mas
recentemente, em um trabalho publicado em 1993, Schmidt retratou uma modificação
revolucionária desses dados. O que ele fez, recentemente, é que
o gerador de números aleatórios, os dados do gerador de números,
a sequência, é armazenada num computador, ela é impressa,
mas ninguém olha. Os dados impressos são fechados num envelope
e enviados para um observador independente. Três meses depois, o observador,
sem abrir o envelope, escolhe o que quer ver, mais zeros ou mais uns. Tudo
segue um critério. Então ele liga para o pesquisador, o pesquisador
diz ao médium para olhar os dados, e pede a ele para mudar os resultados,
influenciá-los, se puder. E o médium tenta produzir mais zeros,
se esse for o desejo do observador. E então, o observador abre o envelope
e verifica se o médium conseguiu. E a incrível conclusão é (é um
resultado sério, não é fácil contestá-lo)
que o médium, em 4 de cada 5 tentativas, consegue mudar os números
aleatórios gerados pelo aparelho, mesmo após três meses.
Este mito de que o pensamento causa o colapso de si mesmo, que o colapso é objetivo,
sem que o observador consciente as veja, é apenas um mito. Nada acontece,
tudo é uma possibilidade até que o observador consciente veja.
Numa experiência controlada, as pessoas intervieram. As pessoas viram,
sem contar a ninguém, viram os dados, a impressão. Nesses casos,
o médium não influenciou os dados. Está claro que a
consciência exerce um efeito, exatamente como Bohr suspeitava, como
Newman suspeitava. Agora estamos fazendo teorias mais completas e experimentos
mais completos baseados nessas teorias. Henry Stab colaborou com todas essas
idéias que apresentei, consciência causando o colapso de funções
quânticas em eventos reais. Ele participou do experimento com Schmidt.
Então, estamos vendo uma mudança revolucionária na Física,
não menos revolucionária do que a acontecida com Copérnico.
Claro que haverá reações, como a que apresentou, e temos
de ser muito pacientes, calmos, e trabalharmos juntos para superar essas
tendências contrárias. Mas temos a certeza de que existe algo
que todos devemos olhar. Isso é revolucionário, é novo
e pode mudar, como já discutimos, as dificuldades com valores que
a sociedade vem enfrentando. Não vamos nos preocupar em como pode
ser, mas vamos olhar os dados, olhar a teoria e perguntar: pode ser? Se pode,
que oportunidade fantástica temos para integrar todos esses movimentos
díspares de consciência que nos separaram por tanto tempo.
Heródoto Barbeiro: Ele é autor também do livro “O
universo autoconsciente -Como a consciência cria o mundo material”.
Dr. Goswami, dentro dessas explicações que o senhor nos deu
até agora, como fica a questão da reencarnação
e da preservação dessa consciência dos seres humanos?
Amit Goswami: A questão da reencarnação, provavelmente, é a
pergunta mais radical que pode ser feita. E é impressionante que a
Física Quântica nos permita dar uma resposta afirmativa. Eu
mesmo fiquei tão surpreso quanto qualquer um, com isto.. No início,
quando me perguntavam isso, eu me recusava a discutir. Mas então,
eu acordei de um sonho, e, basicamente, o sonho me dizia... eu ouvi isso
no sonho: “O Livro Tibetano dos Mortos está certo e seu trabalho é provar”.
Após acordar desse sonho, eu passei a encarar reencarnação
com seriedade. Basicamente, o problema com a reencarnação é este:
o corpo físico morre, e o que resta? Se a consciência é a
base do ser, vem a idéia de que o que resta é a consciência. É a
primeira pista. A segunda pista é que tudo é possibilidade,
no modo quântico de ver as coisas. Então, não é irrelevante
dizer que as possibilidades podem viver. Algumas possibilidades morrem com
o corpo material e o cérebro, mas pode haver outras possibilidades,
outras possibilidades que se modificam ao longo da nossa vida, e essas modificações
das probabilidades das possibilidades podem formar uma confluência
que possa viver mais tarde na vida de outra pessoa. É essa idéia
que pude desenvolver de forma mais completa, num livro que será lançado
no ano que vem, e fico feliz em dizer que podemos lidar com essa questão.
A vantagem de se fazerem essas perguntas é que podemos ver imediatamente
a utilidade das novas ciências que virão. Porque são
essas coisas que preocupam as pessoas. As pessoas são fundamentalmente
incomodadas por perguntas como “o que acontecerá quando eu morrer?”.
E se a nova Física puder responder essas perguntas, a despeito da
importância da Psicologia transpessoal, e da Psicologia junguiana,
em que a nova ciência ajuda, e também da medicina alternativa,
que nem discutimos ainda, acho que tocaremos o coração das
pessoas quando pudermos dizer: “Finalmente, a Ciência pode ajudar
a entender essa pergunta”. Até agora, apenas o padre, o teólogo
pode dar qualquer resposta para a pessoa. E se pudermos dizer a ela: “Faz
sentido fazer essa pergunta, e voce pode fazer algo para ajudar voce com
o que acontecerá após a morte”. Não seria um progresso
maravilhoso na ciência?
Joel Giglio: Professor Amit, eu vou fazer uma
pergunta baseado no trabalho de um ex-orientando de tese de doutoramento
que eu orientei na Universidade
de Campinas, e que fez a primeira tese, pelo menos na Unicamp, e talvez em
qualquer universidade estadual ou federal do Brasil, sobre parapsicologia.
Ele fez uma tese sobre clarividência e eu não vou, naturalmente,
falar da metodologia do trabalho que seria bastante extensa, mas resumir
pelo menos os resultados principais. Várias pessoas, vários
sujeitos tentavam adivinhar as cartas de um baralho de símbolos geométricos,
baralho de Zener muito usado em pesquisa e parapsicologia, e tentava adivinhar
as cartas de um baralho Tarô, que é baseado em imagens arquetípicas,
o Rei, a Rainha, etc. Nos resultados que foram feitos seguindo uma metodologia
tradicional, estatística, as pessoas acertaram, no baralho de Zener,
um pouquinho acima do que era esperado ao acaso e 10% acima no baralho de
Tarô, comparando com o de Zener. A explicação dada pelo
meu orientando foi dentro da teoria da Psicologia Analítica, em relação
aos arquétipos emergentes que, de uma certa forma, estariam mobilizados
mais no baralho de Tarô do que simplesmente no baralho de símbolos
geométricos. Mas essa explicação, embora nos satisfaça
um pouco, ainda deixa muito a desejar. Eu perguntaria se o senhor teria alguma
explicação a mais baseada na Teoria Quântica sobre essa
maior adivinhação das cartas do baralho do Tarô, que
são símbolos arquetípicos em relação ao
baralho comum de Zener , que são cinco símbolos geométricos,
quadrado, cículo, etc.?
Amit
Goswami: Sim. Obrigado pela pergunta. Na verdade, somente no Brasil alguém pensaria em fazer um experimento tão brilhante. Tenho
visitado o Brasil nos últimos 5 anos e o futuro parece promissor.
Eu fico entusiasmado com a mente do brasileiro. Qual é a diferença
entre o experimento original de adivinhação de cartas e as
cartas de Tarô? A idéia que proponho, acho que voce pensa da
mesma forma, é que quando o objeto que usamos na telepatia é significativo,
ele é um objeto melhor. Os cientistas, os parapsicólogos anteriores
preocupavam-se demais com a objetividade e ignoravam esse aspecto. Agora,
nos novos experimentos parapsicológicos, espero usarmos cada vez mais
objetos significativos na transferência telepática. E voce tem
razão, a explicação completa tem de usar a palavra “telepatia”,
tem de usar a transferência não-local de informações,
neste caso, transferência não-local de informações
significativas, arquetípicas. E esse é o motivo para os melhores
resultados. Mas a não-localidade, a não-localidade quântica,
tem de ser evocada para se ter uma explicação completa do que
ocorreu. Obrigado.
Mario
Cortella: Doutor Amit, eu juntei algumas questões nisso que
eu não vou tratar delas como perguntas, porque eu acho que na sua
obra, pelo menos no que eu pude ler, há um aprofundamento disso e
uma leitura mais detalhada ofereceria mais questões. Por exemplo,
no campo da psicanálise essa idéia de que o universo é quando é percebido
e até interferido, será que não seria uma postura um
pouco ego-narcísica da nossa parte, um pouco antropocêntrica
em relação ao próprio universo que dificulta a idéia
de um cosmo, invertendo Dostoievsky. Dostoievsky disse que se Deus não
existe, tudo é permitido. Nessa compreensão, parece que se
Deus existe, aí é que tudo é permitido, porque existe
aí uma probabilidade que pode ser interferida. E uma outra questão,
que eu acho que está na sua obra mas acho que vale aprofundamento, é o
ateísmo metodológico, sendo que foi tão caro para a
ciência para poder buscar explicações, mas ele não é mais
necessário. Mais aí a questão de fundo: eu tenho lido,
não sei se é verdade, que a Física Quântica mostra
que hoje o tempo é uma ilusão. Alguns têm dito que não
se fala mais em universo, mas em multiverso, porque haveria vários
universos paralelos. Isso traria um problema: a possibilidade de viajar no
tempo. A maior explicação que achei até hoje contra
a viagem no tempo, foi do Físico inglês, Stephen Hawking, que
usou um argumento lógico. Ele disse: “É impossível
viajar no tempo porque se um dia for possível isso, os homens do futuro
já teriam voltado”. Mas a Física Quântica ao falar
em universos paralelos levanta a possibilidade de se ter o tempo como uma
mera ilusão humana. Isso me coloca a seguinte pergunta aí para
o senhor: será que nós chegaremos, com a Física Quântica,
a voltar à origem do cosmos e, aí sim, encontrar o princípio
explicativo?
Amit Goswami: Bem, suas duas colocações são muito boas,
e a pergunta é extremamente fascinante. A primeira coisa que quero
dizer é que ‘não dizemos que tudo é possível’ apenas
por termos incluído aí a consciência em nossas teorias,
porque ainda estamos concordando totalmente com a Física Quântica
que a causalidade ascendente molda a forma das possibilidades, a partir da
qual a consciência escolhe. Tanto a causalidade descendente, quanto
a ascendente têm papel fundamental na nova Física, na nova Ciência.
Essa é uma das virtudes que temos. A nova Ciência absorve a
velha Ciência nos limites do princípio da correspondência,
no limite de que poderíamos falar apenas em termos de probabilidades
para um grande número de coisas e eventos. A velha Ciência não
desaparece. Não poderia. É solidamente baseada em dados experimentais.
A nova Ciência expande a velha Ciência em arenas com as quais
a velha Ciência não pode lidar. Como eventos singulares de criação,
criatividade. Esse é o primeiro ponto. Sobre voltar no tempo, há experimentos
quânticos. O mais famoso é o experimento de Le Choice, mas é muito
longo para explicar, e muito complicado para os espectadores realmente apreciarem.
Embora, se alguém estiver interessado nele, há livros sobre
ele. Leiam, por favor, é fascinante. Há algo acontecendo. Essa
idéia de voltar no tempo é real na Física Quântica.
Podemos ser afetados por coisas no futuro, assim como somos afetados por
coisas no passado. Na Física Quântica, o tempo é não-linear.
Isto posto, claro que experimentos recentes são tão impressionantes,
tão surpreendentes, que muitos físicos convencionais, conservadores,
procuram formas de viajar no tempo. Mas acho que o consenso é que
a viagem no tempo envolve muito mais do que esta observação
da Mecânica Quântica. Não podemos mais descartá-la,
mas ela envolve muito mais pois ainda temos sérios problemas de como
trazer os efeitos quânticos aos macrocorpos. Pois os efeitos quânticos
são muito destacados apenas em objetos microscópicos, e não
tão destacados em macro-objetos. A situação da medição é uma
exceção. Mas normalmente descobrimos apenas raios ‘laser’,
supercondutores, poucas coisas, poucos macro-objetos em que os efeitos quânticos
persistem. Então temos de resolver esse problema de como macrocorpos
podem ser transportados pelo tempo, e isso levará um tempo. Se a consciência
voltar a essa equação, e ela precisa voltar, em algum ponto,
então, outra dimensão de pensamento se abrirá e isso
pode nos dar novas respostas, novas visões sobre isso. Mas é muito
prematuro falar sobre isso, acho.
Rose
Marie: Eu sou muito interessada em história da tecnologia,
porque eu acho que através da tecnologia é que os sistemas
econômicos se desenvolvem, que cresce uma dominação de
potências hegemônicas. Isso vai muito na linha da pergunta do
Cláudio Abramo. Eu sei que o senhor está trabalhando na construção
do primeiro computador quântico. Eu quero perguntar uma coisa: o computador
quântico dá saltos quânticos, ele cria? Qual a diferença
dele do computador determinístico?
Amit Goswami: Essa é uma pergunta muito interessante. O que é um computador quântico? Um computador quântico em vez de usar um algoritmo específico, usa um algoritmo ambíguo. No computador quântico é usada a superposição de possibilidades e, dessa forma, espera-se que seja muito mais rápido que o computador convencional. Desde que o computador quântico opere apenas nesse nível, eu não espero que ele seja uma novidade tão grande, a não ser o fato de ele ser mais rápido. É isso que interessa aos cientistas da computação. Mas eu tenho um interesse diferente nesse computador. Se o computador for construído, por ter um processador quântico, por processar superpondo possibilidades...
Rose Marie: É tão realista.
Amit Goswami: Isso mesmo. Assim como o ser humano
faz. O cérebro humano,
de forma semelhante, processa de forma quântica as possibilidades,
em vez de trabalhar diretamente, de maneira algoritmica, sem ambiguidade.
Então, alguém pode fazer um computador que tenha todos os outros
aspectos da medição quântica? A situação
da medição quântica envolve um mecanismo que chamo de
hierarquia embaraçada. É um pouco difícil de entender,
mas um exemplo é a frase: “Eu sou mentiroso”. Se pensar
nela, verá que a relação hierárquica entre sujeito
e predicado é recíproca. “Eu” qualifica mentiroso,
e vice-versa. Um qualifica o outro. É o que chamo de hierarquia embaraçada.
A medição quântica no cérebro é assim.
A questão intrigante para mim é que: suponha que no futuro
encontremos um computador com hierarquia embaraçada. O interessante é que
a hierarquia embaraçada dá margem à auto-referência.
Então, este computador quântico terá auto-referência?
A consciência cooperará na criação de um aparelho
feito por humanos, que não seguiu uma evolução, mas
desenvolvido pela inteligência humana? A consciência cooperará?
A consciência cósmica cooperará e o tornará um
ser consciente? Eu não sei a resposta. Mas esta será uma verificação
fundamental, uma das mais fantásticas, das idéias que discutimos
hoje. Acho que essa pesquisa deve ser encorajada. Obrigado pela pergunta.
Lia
Diskin: Tentando fazer uma síntese dentro das idéias
da biologia, dentro das idéias da psicologia e, logicamente, de toda
a Física que o senhor coloca, o que hoje sabemos é que apenas
2% de nosso cérebro utiliza vias neuro-cerebrais para entrada e saída
de informação. E é a partir disso, que nós construímos
o que chamamos “os objetos ideais e universais” que constituem
a ciência. 98% restante pertence a um universo interno, nebuloso, no
qual existe a fantasia, a ilusão, logicamente a irracionalidade e
também a probabilidade. Até que ponto podemos dizer que é possível
um verdadeiro diálogo com essa disparidade de porcentagens? Até que
ponto podemos dizer que é possível uma cientificação
das idéias, de Deus, ou das idéias internas, humanas, divinizadas,
como queira chamá-las?
Amit Goswami: Em outras palavras, deixe-me ver
se entendi a pergunta, há muitas
coisas que são fantasias e há muitas coisas que envolvem Deus. É possível
transformar esses aspectos fantasiosos em científicos? É uma
pergunta interessante. Claro, na criatividade, transformamos fantasias, transformamos
algumas fantasias em algo científico. Porque algumas delas são
fantasias criativas. Em outras palavras, a imaginação, a parte
mental de nossas vidas, a parte interna de nossa vida, é fundamental
no que fazemos no mundo externo. Na nova Ciência, por estarmos igualmente
envolvidos com o mundo externo e o interno, pelo fato de a subjetividade
ter voltado à ciência, estamos validando o conceito de que,
talvez, devamos levar algumas de nossas fantasias a sério. Porque
a idéia contrária também pode ser positiva, ou seja,
de que tudo é uma fantasia. Fantasia da mente, fantasia da consciência.
Porque a consciência é a base do ser, e o que pensávamos
ser material e real, e o que pensávamos ser fantasia e irreal, esta
distinção não é muito clara, agora. São
todas possibilidades da consciência. Portanto, é a consciência
que as valida, que escolhe entre elas, que lhes dá substancialidade.
Então, qual delas será substancial depende totalmente da escolha,
do contexto no qual a consciência as vê. Isso vai revolucionar
a sociedade, como voce antecipou com sua pergunta. Em outras palavras, vamos
levar nosso mundo interno muito mais a sério. Eu costumo dizer às
pessoas que, se elas estudarem seus sonhos, o preconceito que costumamos
ter é de que o sonho não é contínuo, portanto,
de que adianta estudá-los? Há evidências de que os sonhos
são contínuos, mas é preciso olhá-los sob o ponto
de vista significativo. Alguns ficariam felizes com essa descoberta científica,
de que os sonhos dão um relatório sobre a parte significativa
das nossas vidas. Então, há outros aspectos da vida com os
quais a ciência materialista não pode lidar e com os quais podemos
lidar agora por colocar a consciência de volta, por exemplo, o pensamento.
E, quando fazemos isso, nossa vida interna adquire uma enorme importância.
Sim, a vida interna lida com o pensamento, a beleza, os arquétipos,
de uma forma diferente que a vida externa, materialista, pode. E, focalizando
na vida interna, não só podemos nos transformar, essa é a
parte mística, mas também podemos ter enormes visões
sobre o que criar, como criar, sobre nossas artes, sobre nossa música,
até sobre a ciência.
Pierre
Weil: Eu queria primeiro felicitar esse programa, Roda Viva, pelas iniciativas
que está tomando. Eu quero dizer que é a primeira
vez que eu vejo na televisão, problemas tratados no nível que
merecem, na altitude que merecem, problemas como a parapsicologia, a psicologia
transpessoal. Isso é feito graças a uma mudança de paradigma.
E eu queria realçar de novo para o público telespectador que
o que estamos tratando aqui tem uma influência muito grande sobre a
destruição da vida no planeta e a grande crise de violência
que está assolando atualmente o mundo, não é só o
Brasil. Eu queria, já que estamos no fim do programa, deixar a oportunidade
a Amit Goswami, que nós convidamos na nossa Universidade da Paz em
Brasília, justamente porque ele representa um novo paradigma, como
que o antigo paradigma é responsável pela violência atual
do mundo, antiga visão que está responsável pela destruição
da vida no planeta, e como o novo paradigma pode nos ajudar a nos tirar dessa
crise, além de medidas policiais e de mudança de lei que são
necessárias, mas são absolutamente insuficientes?
Amit Goswami: Obrigado. Acho muito importante
dizer que, sem reconhecer a consciência e sem reconhecer o valor da nossa vida interna, sem reconhecer
o valor da transformação, nunca mudaremos a violência
na sociedade. Então, é muito importante ver que apenas pensando
em não-violência, apenas falando dela, não deixaremos
a violência. É preciso passar por todo o processo criativo.
A nova Ciência, o novo paradigma, é extremamente importante
porque sempre enfatiza a criatividade. Na velha Ciência, o determinismo
e behaviorismo, essa idéia de que o condicionamento prevalece, nos
cegou tanto quanto à transformação, nos cegou tanto
que desistimos. Basicamente, os valores não eram necessários.
Steve Weinberg disse que não há significado no universo, não
há valores se o consenso é o julgamento dos cientistas materialistas,
e isso ocorre dentro da sociedade, e o behaviorismo diz: “Não
podemos fazer nada. Somos seres comportamentais, somos condicionados”.
E a nova Ciência diz: “Não. Também há forças
criativas dentro de nós. Basta aprender a agir a partir desse estado
de consciência não-ordinário no qual voce tem escolhas”.
E o meu novo lema, em vez do cartesiano “eu penso, logo existo”,
e pensamento é uma condição behaviorista, meu novo lema é: “escolho,
logo existo”. Se é “escolho, logo existo”, posso
escolher a não-violência. Mas tenho de aprender como escolher,
e isso exige criatividade. Essa é, realmente... a nova confiança
do novo paradigma: em vez de escolher a metade condicionada do mundo, vamos
dividir o mundo em condicionamento e criatividade. Forças do Bem e
do Mal, das quais falamos antes. Podemos ser muito otimistas. Se essa mudança
para o novo paradigma vier logo, talvez possamos realmente lidar com a violência
de uma forma realmente prática, em vez de apenas verbalmente, como
fazemos.
Carlos
Ziller: Quando
eu estava fazendo a minha leitura dos seus trabalhos, percebi um sentimento
que eu compartilho, de um incômodo profundo com
relação a algumas conclusões que emergem de determinados
meios científicos. Vou dar só um exemplo, acho que o telespectador
vai se lembrar, certamente. Há algum tempo atrás apareceu um
resultado de um laboratório do EUA que falava da descoberta do gene
da homossexualidade. Mais recentemente falou-se no gene da obesidade, e há toda
uma série de conclusões desse tipo que não deixam de
produzir, nos homens de bom senso, uma certa surpresa, e, contudo, mesmo
em homens que são materialistas e bem convencidos, que não
aceitam, rejeitam esse determinismo radical que emerge de alguns ambientes
científicos, sobretudo norte-americanos. Há um materialismo
que convive muito bem com o livre-arbítrio. Há um realismo
filosófico que convive muito bem, sem muito inconveniente, com paradoxos,
com contradições. Isso não é, digamos, o todo,
do que se poderia chamar de “atividade científica”. Por
fim, eu gostaria de fazer uma pergunta, e é a questão mais
importante que eu teria a colocar, que emerge também de uma sensação
que eu tive ao ler “O universo auto-consciente”. Eu tive a sensação
de retornar ao passado, aí sim uma viagem ao passado. Eu vi ali, arrumados,
organizados de uma forma muito particular por voce, idéias e proposições
que eu já havia conhecido em leituras, por exemplo, da obra do cardeal
Nicolau de Cusa , grande pensador do século XV, que propôs que
o universo era resultado de uma contração de Deus, e essa contração,
enfim, não é o caso aqui de eu explanar essa filosofia. Mas
esse tipo de pensamento, produziu, interagiu com concepções
científicas do século XVI, do século XVII, com concepções
que propunham que a divindade organizasse, ou enfim, propunha uma visão
bastante parecida com essa, um projeto científico bastante parecido
com esse que voce está propondo nesse seu livro. A humanidade passou
por um processo muito longo, muito duro, para conseguir, digamos, não
eliminar Deus da Ciência, mas pelo menos reduzir um pouco seu papel,
esse processo foi longo e lento. Para concluir, como o senhor acredita poder
convencer os cientistas desse seu projeto, depois de tanto esforço
para conseguir criar uma noção de objetividade, de realidade,
de realismo, com todos os exageros em alguns momentos, mas convencer esses
homens depois de tanto esforço? O senhor imagina conseguir isso usando
que gênero de recursos?
Amit Goswami: Eu acredito que as idéias se verificarão por
si mesmas, serão confirmadas nos laboratórios e serão úteis.
A ciência tem dois critérios fundamentais. Por isso Galileu é chamado
de pai da ciência moderna, pois ele enunciou claramente esses dois
critérios. Um é que a ciência deve ser verificável.
Ela deve ser verificada experimentalmente. E a segunda idéia é que
a ciência deve ser útil. No aspecto da verificação,
já apresentei alguns experimentos a voces, pois o tempo é curto,
não entrarei em outros experimentos, mas digo que há um número
enorme de experimentos sendo realizados, graças à Parapsicologia
e interessados em Parapsicologia. Mas também em Biologia, e a Medicina é uma
grande área de verificação experimental de algumas de
nossas idéias. Mas a questão da utilidade é a mais importante.
Deepak Chopra ficou famoso por um livro que escreveu, chamado Cura Quântica,
lançado há 10 anos. Ele começou a revolucionar a Medicina,
de certa forma, pois há um fenômeno chamado “efeito placebo” para
o qual os cientistas não têm explicação. E esse
trabalho, que é muito semelhante à minha forma de pensar, e
eu tenho lido trabalhos citando a conexão entre as nossas idéias...
Mas veja as implicações disso. Se, de fato, houver cura quântica,
se houver Medicina mental, o efeito da mente sobre a cura, então as
pessoas serão de fato ajudadas, não apenas no campo da Psicologia,
mas no campo da verdadeira saúde física. A saúde física
real, que importa para muito mais pessoas do que a saúde mental, ainda
não estamos esclarecidos o bastante para levar a saúde mental
tão a sério. Mas todos se preocupam com a saúde física,
levam muito a sério. É a aplicação da nova Ciência
a essas áreas, especialmente na área da saúde, que vai
trazer a revolução de que Deus é importante, a consciência é importante,
a criatividade é importante, observar o livre-arbítrio e responsabilidade é importante,
que temos um paradigma científico que pode unir todas essas coisas,
trazê-las para junto da velha ciência e ter formas objetivas
de proceder e prever. Será uma ciência previsível, poderá ser
verificada e também será útil. Isso é o que mudará a
percepção do público. A percepção dos
cientistas, também. Obrigado.
Heródoto Barbeiro: Doutor Goswami, muito
obrigado por vir.
Amit Goswami: Muito obrigado. Foi um prazer estar aqui.
Amit Goswami: Muito obrigado. Foi um prazer estar aqui.
BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS
1 Anexo:Lista de livros com tema afro-brasileiro
em Português.
2 Mbiti, John. African Religions and Philosophy.
3 Wade Abimbola, ed. and trans. Ifa Divination Poetry (New York: NOK, 1977).
4 Ulli Beier, ed. The Origins of Life and Death: African Creation Myths (London: Heinemann, 1966).
5 Herbert Cole, Mbari: Art and Life among the Owerri Igbo (Bloomington: Indiana University press, 1982).
6 J. B. Danquah, The Akan Doctrine of God: A Fragment of Gold Coast Ethics and Religion, second edition (London: Cass, 1968).
7 Marcel Griaule and Germaine Dietterlen, Le Mythe Cosmogonique (Paris: Institut d'Ethnologie, 1965).
8 Rems Nna Umeasigbu, The Way We Lived: Ibo Customs and Stories (London: Heinemann, 1969).
9 Sandra Barnes, África's Ogun: Old World and New (Bloomington: Indiana University Press, 1989).
10 Segun Gbadagesin, African Philosophy: Traditional Yoruba Philosophy and Conteporary African Realities (New York: Peter Lang, 1999).
11 Judith Gleason, Oya, in Praise of an African Goddess (Harper Collins, 1992).
12 Bolaji Idowu, God in Yoruba Belief (Plainview: Original Publications, rev. and enlarged ed., 1995)
13 Wole Soyinka, Myth, Literature and the African World (Cambridge University Press, 1976).
14 S. Solagbade Popoola, Ikunle Abiyamo: It is on Bent Knees that I gave Birth (2007 Asefin Media Publication)
15 Chidester, David "Religions of South Africa" pp. 17-19
2 Mbiti, John. African Religions and Philosophy.
3 Wade Abimbola, ed. and trans. Ifa Divination Poetry (New York: NOK, 1977).
4 Ulli Beier, ed. The Origins of Life and Death: African Creation Myths (London: Heinemann, 1966).
5 Herbert Cole, Mbari: Art and Life among the Owerri Igbo (Bloomington: Indiana University press, 1982).
6 J. B. Danquah, The Akan Doctrine of God: A Fragment of Gold Coast Ethics and Religion, second edition (London: Cass, 1968).
7 Marcel Griaule and Germaine Dietterlen, Le Mythe Cosmogonique (Paris: Institut d'Ethnologie, 1965).
8 Rems Nna Umeasigbu, The Way We Lived: Ibo Customs and Stories (London: Heinemann, 1969).
9 Sandra Barnes, África's Ogun: Old World and New (Bloomington: Indiana University Press, 1989).
10 Segun Gbadagesin, African Philosophy: Traditional Yoruba Philosophy and Conteporary African Realities (New York: Peter Lang, 1999).
11 Judith Gleason, Oya, in Praise of an African Goddess (Harper Collins, 1992).
12 Bolaji Idowu, God in Yoruba Belief (Plainview: Original Publications, rev. and enlarged ed., 1995)
13 Wole Soyinka, Myth, Literature and the African World (Cambridge University Press, 1976).
14 S. Solagbade Popoola, Ikunle Abiyamo: It is on Bent Knees that I gave Birth (2007 Asefin Media Publication)
15 Chidester, David "Religions of South Africa" pp. 17-19
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